20 de novembro de 2006

Onde a Castanha é Raínha

O fruto dos frutos, o único que ao mesmo tempo alimenta e simboliza, cai dumas árvores altas, imensas, centenárias, que, puras como vestais, parecem encarnar a virgindade da própria paisagem. Só em Novembro os agita uma inquietação funda, dolorosa, que os faz lançar ao chão lágrimas que são ouriços.
Miguel Torga, Um Reino Maravilhoso

Souto de Argemil, Carrazedo de Montenegro








Ouriços, a cama fofa das castanhas
Abrindo-as, essas lágrimas eriçadas de espinhos deixam ver numa cama fofa a maravilha singular de que falo, tão desafectada que até no próprio nome é doce e modesta – a castanha
Miguel Torga, Um Reino Maravilhoso
















Travancas, Chaves






A castanha já percorreu os duros caminhos da vida. Houve tempo que a castanha substituiu o pão e as batatas. Depois, com a fartura, foi dada aos porcos. Hoje a castanha está na moda e, por isso, é comida de todos os modos e feitios. Cruas, assadas, cozidas, fritas, na sopa, nas sobremesas...















Na estrada de Carrazedo de Montenegro a Murça











Soutos livresNo Dia de Todos os Santos os soutos são livres. Apesar de terem dono toda a gente pode apanhar castanhas.
Roriz, Chaves













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Carrazedo de Montenegro, Valpaços
Zona de maior produção de castanha e onde fica o maior souto da Europa








Trás-os-Montes no Top da castanhaEm Portugal, o negócio das castanhas está imparável e floresce anualmente. No nosso país existem 27 mil hectares de castanheiros e só em Trás-os-Montes são 20 mil os hectares de soutos
Castanheiros em flor

Rei da castanha
O Sr. Manuel Maia Xavier, proprietário de vários soutos em Carrazedo de Montenegro, no dia em que o conheci tinha vendido 300 sacas de castanha. Transmontano afável, ao estrangeiro que lhe entrou pelo souto dentro, com ar embevecido, falou das variedades de castanha judia e longal e da sua arte de enxertar castanheiros.














17 de novembro de 2006

Culto dos Mortos

Tu és pó, e ao pó retornarás
Génesis, capítulo 3, versículo 19










Travancas, Chaves
Visita ao cemitério no dia 2 de Novembro, dia dos fiéis defuntos. Pelo caminho reza-se o terço; no interior ora-se pela alma dos que já partiram.








No cemitério, a história da aldeia

Cemitério, montra da riqueza da terra e das hierarquias sociais.
Ricos e pobres unidos na morte, desiguais na forma de permanecerem enterrados.
Curral de Vacas, Chaves











Preparativos
A visita ao cemitério por familiares dos defuntos é precedida da limpeza das campas.
Sonim, Valpaços









Culto dos MortosOs antepassados pagãos, enquanto faziam companhia aos seus entes falecidos, comiam castanhas, partilhando com eles a refeição. O Cristão, sinal dos tempos da globalização, enfeita as campas com flores de plástico e velas made in China.
Curral de Vacas, Chaves




Moda e valores
No passado, as campas dos defuntos mais abastados eram em ferro e granito. O modernismo popularizou as campas de mármore, sem tradição na construção em Trás-os-Montes. Hoje o granito está de volta, mas polido. De volta está também o cravo vermelho, flor popular cada vez mais despojada da conotação política associada à Revolução dos Cravos.


A relíquiaTerra santa trazida para o cemitério pela senhora Dina Pires, emigrante em França que, para que a memória dos homens não se esqueça do seu feito, mandou assentar uma placa evocativa à entrada.
Sonim, ValpaçosEm defesa da pátria
Morto aos 21 anos na Guiné. A coveira diz que foi “morto pelos terroristas; morreu outro mas não encontraram o corpo”. Além do Paulo, mais de oito mil militares portugueses morreram durante a nossa Guerra Colonial, de 1961 a 1974.
Sonim, Valpaços











À notre cousinVida e morte de emigrante. Sai da terra, a salto, para ganhar a vida; regressa sem vida à terra.
Sonim, Valpaços














O negócio das flores











Chaves
Na sociedade de consumo, o apelo ao culto dos mortos faz disparar a compra de velas e flores. Os preços sobem igalmente em flecha nesta época do ano. Negócio próspero para floristas e floricultores.

Feira dos Santos

CHAVES
1º de Novembro











Ponte Romana, familías e namorados a ir e vir da feira
Dia de Todos os Santos
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Vendedor de guarda-chuvasO Sol de São Martinho, chegado com antecedência, não ajudou o negócio!










Vendedora de meias
São várias, vindas do Douro e do Minho. Três pares, cinco euros! Meias de lã pura é que já não se encontram à venda na Feira dos Santos. Enquanto a Tia Marquinhas viveu sempre calcei meias de lã feitas por ela ao calor da lareira. À maneira dela era minha amiga. Que saudades!




Barracas de feirantesFumeiro tradicional, doçaria, vestuário, artesanato, bordados, antiguidades, ferramentas, farturas, etc., de tudo se encontra ao longo das ruas por onde se instala a feira.
Tradicionalmente era a ocasião aproveitada pelos camponeses para irem à cidade fazer compras e vender bens. Hoje não é bem assim. A facilidade de deslocação e as grandes superfícies alteraram hábitos de consumo.



Barro pretoOs tradicionais púcaros de Vilar de Nantes e de Bisalhães, perdem-se no mar de novidades electrónicas de Hong Kong vendidas pelos chineses, nas estátuas de girafas e elefantes da Mauritania e do Senegal, nas pedras semi-preciosas brasileiras e nos bonecos de pano peruanos.














Quentes e boas!
Castanhas assadas, dois euros o quarteirão. Mesmo assim, não há falta de clientes para os diversos vendedores.











Artesanato africanoSe o número de barracas não pára de aumentar nos últimos anos é porque existe mercado para este tipo arte decorativa em terras transmontanas!



Música dos AndesOs índios, circulando entre a Galiza e Portugal, todos os anos marcam presença em Chaves, vendendo os sons da flauta que toca o melodioso El Condor Pasa.



AculturaçãoA presença de mão-de-obra estrangeira – ucranianos, africanos, brasileiros e chineses - numa terra despovoada pela emigração, é reveladora de uma realidade cultural transmontana menos homogénea.
Aqui, a Madeleine, do Senegal, leva uma tarde inteira a fazer as trancinhas à louríssima Carla de Montalegre. E se a moda pega?